A ação de improbidade administrativa e a competência do juízo de primeiro grau, será que existe uma lacuna constitucional, capaz de trazer a natureza penal às ações de improbidade?
Antes de nos adentrarmos ao tema de competência, cumpre-nos definir quem se enquadraria ao termo de agente político, senão vejamos.
O saudoso administrativista Hely Lopes Meirelles define: “agentes políticos são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição, designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Nesta categoria encontram-se, na órbita municipal, o chefe do Executivo (prefeito) e seus auxiliares imediatos (secretários municipais), os membros do Poder Legislativo (vereadores), os membros dos Tribunais de Contas (nos municípios onde houver) e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de atribuições constitucionais” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006 p. 582.).
Celso Antônio Bandeira de Mello adota um critério mais preciso, considerando como agentes políticos os titulares dos cargos estruturais à organização política do país, isto é, aqueles que ocupam o arcabouço constitucional do Estado. São eles: o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos referidos chefes do Executivo (Ministros, Secretários), bem como os Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed., rev. e atual. 2007, São Paulo: Malheiros, p. 238 e 239.).
Para a Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “A ideia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de governo e à de função política, a primeira dando ideia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de atividade (aspecto objetivo). (PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, 20ª edição, Editora Atlas, 2007, página 478.).
Entendemos como agente político todo aquele que possui independência funcional e política, assim, para o presente estudo, adotaremos o posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello.
Posto isto, passamos a analisar a competência da primeira instância para julgar ação de improbidade administrativa contra agentes políticos detentores de prerrogativa de foro (popularmente conhecida como foro privilegiado).
O foro especial por prerrogativa de função está previsto na Constituição Federal e é necessariamente em relação às infrações penais comuns, o que nos permite concluir que o mesmo não é extensível às ações de natureza civil.
Sabendo disso, recentemente (03/05/2018), o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese:
I) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e
(II) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. [Tese definida na AP 937 QO, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 3-5-2018, DJE 265 de 11-12-2018.]
Muito se discute a respeito do duplo regime sancionatório que os agentes políticos (com exceção do Presidente da República) estão submetidos, isto pois, se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa, quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade.
Assim, há juristas que defendem que as duras sanções previstas no art. 37, § 4º de nossa Carta Magna, por si só, revestem de natureza penal as ações de improbidade administrativa, o que ensejaria a aplicação da prerrogativa de função.
Contudo, defendemos a posição contrária, isto pois, entendemos que não há uma lacuna constitucional, capaz de trazer a natureza penal às ações de improbidade. Existe uma legítima opção do poder constituinte originário em não instituir foro privilegiado para o processo e julgamento de agentes políticos pela prática de atos de improbidade na esfera civil.
Desta feita, a fixação de competência para julgar a ação de improbidade no 1º grau de jurisdição, além de constituir fórmula mais republicana, é atenta às capacidades institucionais dos diferentes graus de jurisdição para a realização da instrução processual, de modo a promover maior eficiência no combate à corrupção e na proteção à moralidade administrativa.
Por Renan Silva
Bibliografia
Superior Tribunal de Justiça, Diário Oficial, página 1922, 19-03-2018.